terça-feira, 20 de dezembro de 2016

O petrarquismo e a Rainha Virgem

O petrarquismo e a Rainha Virgem

Leonard Forster (1969) argumenta que o chamado petrarquismo fora parafraseado para propósitos políticos, de forma semelhante à de certas adaptações de passagens bíblicas conhecidas, como o Sermão da Montanha (mencionado brilhantemente por Martin Luther King Jr. em seu último discurso[1]) e Os 10 mandamentos. O autor cita, ainda, como exemplo deste fenômeno, o poema de Wyatt intitulado Pace non trovo ou I Find No Peace, em tradução de T. G. Bergan[2], cujas vozes dos versos evocam figuras importantes da conjuntura político-francesa do século XVI. O público-alvo de tal obra era composto por indivíduos europeus formalmente educados.
            Ademais, Forster (1969) destaca que, como bem pontua Gian Giorgio Trissino, a representação em pinturas de Elizabeth I era semelhante à descrição de Laura, a mulher ideal do eu-lírico de Petrarca (presente em Canzoniere[3]). Destacam-se, nas referidas retraturas, a pele alva da monarca, bem como sua beleza estonteante (nos poemas, concomitantes à sua capacidade intelectual), como na pintura abaixo, datada de 1592.[4] “Como a Rainha Virgem, adorada, mas por definição fora do alcance do admirador comum, ela era a incorporação do ícone literário.” (FORSTER, 1969: 127- tradução autoral)


            No retrato “Ermine”, por sua vez, de autoria de Nicholas Hilliard[5],  o animal presente no pulso da rainha consiste em uma representação da castidade. As jóias, em contrapartida, dialogam com o soneto petrarquiano [263], visto que indicam, ao mesmo tempo, o poder da realeza e a figura de Elizabeth transcendendo-o em esplendor e importância.

           
             
               Forster (1969) também pontua a perspicácia de Elizabeth I ao lançar mão do petrarquismo para transformar as desventuras que o destino lhe reservara em um reinado imerso em glória, admiração e lealdade. A rainha, nas palavras de Sir John Neale - cuja caracterização ecoa a imagem petrarquiana “semplicetta farfalla” disposta no soneto [141] - atrai para si profunda devoção de sua corte. Portanto, tal qual a mariposa deixa a luz da vela para perseguir o brilho dos da dama, Elizabeth era perseguida pelo amor/ devoção a ela prestado.
            Em tempo, Elizabeth é descrita como um modelo de castidade -vide o retrato intitulado “Sieve” (1579)[6] a seguir- ao mesmo tempo que figurada como um item de desejo e devoção pública amplamente fomentados  pelos muitos versos em ode à sua beleza e poder. Além disso, a dimensão alcançada pela pura devoção dos homens à Rainha é descrita como minuciosamente construída por ela a partir de seus conhecimentos sobre as obras de Petrarca e Maquiavel.



            Finalmente, pode-se afirmar que a iconicidade do modelo de governo Elizabetano reverbera por, em termos petrarquistas, utilizar-se da linguagem do amor. As relações políticas, bem como o trato do povo, são amplamente descritos nos poemas dedicados à Rainha - ambos evidenciados no poema de Sir John Davie, “Of her Justice” (FORSTER, 1969: 139). Assim, o petrarquismo Elizabetano destacou-se não só por projetar uma imagem de Rainha que apetecia e preenchia as expectativas demandadas à época, mas também por assumir o papel idealizado por Petrarca.

Referência Bibliográfica

FORSTER, Leonard. The Political Petrarchism of the Virgin Queen. The Icy Fire.
Five Studies in European Petrarchism. Cambridge: Cambridge University Press, 1969.

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